A trombofilia é uma condição que pode afetar diretamente a gravidez. É definida como a tendência à trombose decorrente de alterações hereditárias ou adquiridas da coagulação ou da fibrinólise, que levam a um estado pró-trombótico. Durante a ativação do sistema de coagulação, enzimas séricas com atividades procoagulantes são geradas sequencialmente, que culminam com a formação do um coágulo estável. São moduladas por um grupo de proteínas anticoagulantes naturais ou inibidores fisiológicos da coagulação – a antitrombina, proteína C e S.

A trombofilia na gravidez pode levar a aborto ou complicações no desenvolvimento do feto . Alguns trabalhos querem associar também a falhas de implantação em tratamentos de reprodução humana.

As possíveis causas de falha de implantação embrionária têm sido amplamente investigadas, e o foco recai sobre a qualidade embrionária e a receptividade endometrial como causas identificáveis e mais relevantes para o insucesso da FIV.

As alterações sanguíneas que levam à hipercoagulabilidade, ou seja, as trombofilias podem estar relacionadas ao processo de implantação embrionária, quando alteram as condições do endométrio.Estas alterações estariam associadas a modificações no sítio de implantação, que afeta a capacidade da placenta fazer sua invasão no endométrio ( invasão trofoblástica ) e na  vasculatura placentária .

Por isso, o texto de hoje explicará melhor o que é essa condição, quais os sintomas e como tratá-la corretamente. Confira:

Principais causas

O distúrbio da trombofilia pode ser causado por inúmeros fatores, sejam eles hereditários ou adquiridos. O importante é que ambos os casos merecem atenção redobrada.

Trombofilias Hereditárias

Atualmente, é possível identificar a trombofilia hereditária em cerca de 60% a 70% dos pacientes acometidos por trombose.

São as mais frequentes:

  • deficiência de proteína C,
  • deficiência de proteína S,
  • deficiência de antitrombina III,
  • a presença do fator V de Leiden,
  • uma mutação no alelo G20210A do gene da protrombina e
  • uma mutação no gene da enzima metileno tetrahidrofolato redutase ( MTHFR)

Deficiência de anticoagulantes naturais

Durante a ativação do sistema de coagulação, proteases séricas com atividade procoagulante são geradas seqüencialmente, o que culmina na formação de um coágulo estável de fibrina. A atividade dessas proteases é inibida por um grupo de proteínas denominadas anticoagulantes naturais ou inibidores fisiológicos da coagulação.

A proteína C (PC) e a proteína S (PS) , a antitrombina (AT), são componentes cruciais do sistema anicoagulante.

A proteína C foi descrita, pela primeira vez, por Seegers et al.,1966.

É um anticoagulante natural e sua biossíntese é dependente de vitamina K e sintetizada pelo fígado. A proteína C ativada degrada alguns fatores de coagulação..

Essa deficiência hereditária é uma herança autossômica dominante. Os pacientes com deficiência PC apresentam episódios recorrentes de trombose freqüentemente com idade inferior a 45 anos.

Os indivíduos homozigotos apresentam doença mais severa e não raramente ocorre a púrpura neonatal fulminante, caracterizada por microtrombose generalizada, sangramento e necrose tecidual.

Os indivíduos heterozigotos apresentam risco dez vezes maior para trombose.

A deficiência da proteína C ocorre de 0,2% a 0,4 % em indivíduos normais e de 3% a 5% em pacientes com trombose.

Um ano após a descoberta da proteína C, outra vitamina dependente de vitamina K foi identificada na cidade de Seattle e então denominada proteína S. Nos anos oitenta, foi estabelecida a relação entre a deficiência de PS e a ocorrência de trombose.

A proteína S é dependente de vitamina K, sintetizada pelo fígado, células endoteliais, megacariócitos.

A proteína S é o cofator necessário para a ativação da proteína C e atua melhorando a afinidade da proteína C ativada por fosfolípides carregados negativamente. O complexo proteína C ativada + proteína S torna os fatores Va e VIIIa mais facilmente acessíveis para a clivagem mediada pela proteína C ativada.

A deficiência de proteína S é uma patologia de herança autossômica dominante e muito similar à da PC.

A homozigose é rara e está relacionada com púrpura fulminante neonatal

Deficiência de antitrombina

A antitrombina (AT) é uma glicoproteína sintetizada no fígado e considerada um anticoagulante natural, pois inativa o fator Xa, o fator IXa, a calicreína e várias outras enzimas que possuem serina no sítio de ligação.

Trata-se de uma desordem genética transmitida por herança autossômica dominante e a maioria é de heterozigotos.

Os indivíduos homozigotos são extremamente raros.

A deficiência da antitrombina é rara . Na deficiência da antitrombina os pacientes heterozigotos apresentam tromboembolismo recorrente na segunda e terceira décadas de vida.

Provavelmente, a deficiência de AT é a trombofilia hereditária mais severa e a homozigose tende a ser incompatível com a vida.

Fator V de Leiden

Antes de 1993, a avaliação laboratorial para causa hereditária de trombose era geralmente improdutiva. Contudo, após a identificação da resistência da proteína C como traço hereditário, elevando o risco de trombose em duas a três vezes, houve maior interesse no estudo das trombofilias. Foi encontrada uma mutação no fator V que causava resistência à proteína C na cidade de Leiden, Holanda, daí a denominação fator V de Leiden, por Bertina et al., 1994.

O fator V está envolvido na ativação da protrombina na via final comum da coagulação. É sintetizado pelo fígado, megacariócitos e, possivelmente, pelos macrófagos alveolares.

Esta alteração genética é uma das principais causas de trombofilia hereditária e está presente em 20% a 60% dos pacientes com história pessoal ou familiar de trombose venosa profunda (TVP), tratando-se de uma herança autossômica dominante.

O risco de TVP está aumentado de 5 a 10 vezes em indivíduos heterozigotos para o FVL. Portadoras do FVL e usuárias de contraceptivo oral têm o risco aumentado em 30 a 50 vezes. Em casos de homozigose, a ocorrência de doença tromboembólica está elevada cerca de 80 vezes.

Mutação G20210A no gene da protrombina

A protrombina, precursora da trombina, é uma pró-enzima que funciona na via comum da coagulação. A mutação do gene da protrombina é caracterizada pela transição no gene da protrombina G→A na posição 20210. Esta mutação resulta no aumento da protrombina circulante de aproximadamente 25%.

Os indivíduos heterozigotos têm o risco para trombose aumentado em três vezes. Os homozigotos são extremamente raros e possuem este risco ainda mais elevado

A combinação da mutação do FVL e da protrombina parece multiplicar o risco de trombose e estes indivíduos normalmente são acometidos em idade mais jovem e de forma repetitiva.

Mutação Ala677→Val no gene da enzima metileno tetrahidrofolato redutase (MTHFR)

A homocisteína é um aminoácido sulfatado derivado do metabolismo da metionina. O metabolismo da homocisteína envolve duas vias de remetilação relacionados a níveis de vitamina B6 e B12 metionina e ácido fólico, daí a importância de suplementação destas vitaminas em pacientes que farão tratamento de reprodução assistida.

A mutação Ala677→Val no gene da enzima metileno tetrahidrofolato redutase leva à formação da enzima metileno tetrahidrofolato redutase termolábil, que apresenta apenas 50% de atividade, e sua deficiência leva ao aumento da homocisteína plasmática.

A hiper-homocisteinemia plasmática pode ser decorrente de condições herdadas ou adquiridas.

Os níveis considerados como valor plasmático normal são de 5 a 16µMol/L.

Ela é considerada :

  • severa quando atinge níveis superiores a 100µMol/L,
  • moderada entre 25 e 100µMol/L e
  • leve entre 16 e 24µMol/LA freqüência da hiper-homocisteinemia secundária à mutação da MTHFR, uma herança autossômica recessiva, ocorre em 5% da população geral. A freqüência de homozigose para MTHFR é de 5% a 15% na população geral.

As causas mais comuns de hiper-homocisteinemia adquirida incluem :

  • as deficiências de cobalamina,
  • folato ou piridoxina,
  • insuficiência renal,
  • lúpus eritematoso sistêmico e
  • uso de drogas como metrotexato, anticonvulsivantes e óxido nítricoA hiper-homocisteinemia é considerada fator de risco para doença cerebrovascular, vascular periférica e coronariopatia, provavelmente por comprometimento do tecido endotelial. Um aspecto relevante da mutação MTHFR na reprodução humana é sua interferência em gestações gemelares dizigóticas..

Trombofilias Adquiridas

Estão associadas a situações de aumento dos anticorpos contra o próprio organismo. Também chamada de Síndrome antifosfolípide (SAF), são um grupo de imunoglobulinas ( anticorpos) que reage contra fosfolípides ( uma gordura constituinte da célula ) de membrana carregados negativamente.

Os anticorpos mais comumente dosados são:

  • anticorpo anticardiolipina e
  • anticoagulante lúpico

Há outros testes aplicados para outros anticorpos antifosfolípides como o fosfatidilserina, fosfatidilinusitol, anticorpo anti ß2 glicoproteína I, mas de menor prevalência.

O anticorpo anticardiolipina foi descoberto por acaso, quando se realizava pesquisa de VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) para investigação de sífilis como uma reação cruzada resultando em falso positivo para este teste.

O anticoagulante lúpico é uma “imunoglobulina que interfere com um ou mais testes de coagulação, dependentes de fosfolípides, como o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA) e o tempo de protrombina (TP)” .

Inicialmente, este anticorpo foi descrito como inibidor do sistema de coagulação, mas em 1963 foi definida sua relação com episódios de trombose. Os primeiros grupos de pacientes seguidos com essas características eram portadores de lúpus eritematoso sistêmico, o que deu origem ao termo “fator anticoagulante lúpico”.

Os anticorpos antifosfolípides são associados à trombose de estruturas venosas e arteriais.

Também outros fatores predisponentes são importantes como a obesidade, tabagismo, diabetes, uso de drogas como anticoncepcionais, hipertensão.

Sintomas da trombofilia

Um dos principais sintomas da trombofilia é a trombose venosa profunda (TVP)  que ocorre, sobretudo, nos membros inferiores e se manifesta por meio de inchaço, vermelhidão e ardência nas pernas. Também podem ocorrer episódios de oclusão arterial muito mais graves.

No caso específico da gravidez veremos a seguir.

Riscos da trombofilia na gravidez

A própria gravidez já altera os fatores de coagulação colocando fisiologicamente a paciente em um estado de hipercoagulabilidade, o que favorece o surgimento da trombose até mesmo em quem não é portadora da trombofilia. Isso não significa que mulheres que possuem essa condição não devam engravidar, mas sim tomar uma série de cuidados para a prevenção de suas complicações.

As principais complicações que podem surgir nas portadoras de trombofilia são:

  • abortamento pré-clínico,
  • abortamento recorrente,
  • perda precoce espontânea,
  • restrição do crescimento fetal intrauterino,
  • óbito fetal intrauterino,
  • hipertensão na gestação,
  • descolamento de placenta,
  • parto prematuro,
  • sofrimento fetal crônico,
  • além de eventos isquêmicos durante a gravidez

Tratamentos mais indicados

Em geral, o tratamento da trombofilia deve ser feito com medicamentos anticoagulantes, que vão deixar o sangue mais ralo e prevenir a formação dos coágulos e suas consequências. Devem ser tomados até o período do pós-parto.

No que diz respeito aos casos de trombofilia na gravidez, é importante que o ginecologista que acompanha a gestante tenha conhecimento do seu histórico clínico e obstétrico e dê atenção especial caso ela possua história familiar ou mesmo pessoal de trombose. É preciso também investigar casos de abortos pregressos, descolamento prematuro de placenta anteriores, hipertensão na gestação . Nessas situações, é necessário uma investigação laboratorial mais aprofundada.

Em caso de descoberta da trombofilia prévia ou na gravidez, o mais importante é tomar os cuidados necessários como fazer os exames, uso de anticoagulantes, evitar situações de risco como viagens longas de avião e usar meias de compressão adequadas. Além disso, é fundamental fazer um acompanhamento médico com pré-natal cuidadoso que avalie tanto a saúde da mãe como do bebê.

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