Os componentes lipídicos, especialmente os ácidos graxos, estão presentes nas mais diversas formas de vida, desempenhando importantes funções na estrutura das membranas celulares e nos processos metabólicos.

Em humanos, os ácidos linoleicos (AL) e alfa-linolênico (AAL) são necessários para manter sob condições normais, as membranas celulares, as funções cerebrais e a transmissão de impulsos nervosos. Esses ácidos graxos também participam da transferência do oxigênio atmosférico para o plasma sanguíneo, da síntese da hemoglobina e da divisão celular, sendo denominados essenciais por não serem sintetizados pelo organismo a partir dos ácidos graxos provenientes do metabolismo celular.

Em relação ao número de insaturações, o AL e o AAL são denominados genericamente de ácidos graxos poli-insaturados (AGPI), assim como outros ácidos que apresentam duas ou mais insaturações.

Em relação ao tamanho da cadeia carbônica, os AGPI que possuem 16 ou mais átomos de carbono são denominados de ácidos de cadeia longa (AGPI-CL).

Os ácidos graxos poli-insaturados com cadeia carbônica maior que 20 átomos, são denominados ácidos graxos poli-insaturados de cadeia muita longa (AGPI-CML), alvo de nossos interesses

Os AGPI-CML das famílias n-6 e n-3, aqui descritos como AGPI-CML n-6 ou AGPI-CML n-3, respectivamente, têm inúmeros estudos nas últimas décadas, os quais esclareceram muitas das suas funções no organismo humano e as reações envolvidas na sua formação a partir dos ácidos linoleico e alfa-linolênico.

Esses estudos, também têm destacado a importância da ingestão dos AGPI-CML, na fase gestacional, nos primeiros meses após o nascimento, na terceira idade, em diversas doenças, principalmente degenerativas e agora como veremos na fase pré-conceitual

As famílias n-6 e n-3

As famílias n-6 e n-3 abrangem ácidos graxos que apresentam ligações no carbono 6 e 3 dando origem as famílias do ômega 3 e 6.

Devido às diferenças fisiológicas entre as famílias n-6 e n-3 e à simplicidade da designação n, passou a ser mais apropriado empregar esta designação ao estudar aspectos nutricionais envolvendo os ácidos graxos.

Os ácidos graxos das famílias n-6 e n-3 são obtidos por meio da dieta ou produzidos pelo organismo a partir dos ácidos linoleico e alfa-linolênico, pela ação de enzimas específicas chamadas alongase e dessaturase.

No reino vegetal é muito comum a síntese do ácido linoleico, ocorrendo também a sua conversão em alfa-linolênico, pela ação de enzimas.

Na classe dos mamíferos tem sido isoladas e identificadas enzimas capazes também de sintetizar, algumas com mais facilidade os AGPI-CL da família n-3, o que nos interessa.

ômega 3

Essas reações ocorrem no interior das células hepáticas, etapa final da síntese dos ácidos docosaexaenoico (22:6 n-3, ADH) e docosapentaenoico (22:5 n-6, ADP)

Alguns fatores que contribuem para limitar a conversão dos ácidos AL e ALA em AGPI-CML:

  1. ingestão insuficiente de energia, proteínas, zinco, magnésio, cobre e das vitaminas B3, B6e C,
  2. tabagismo,
  3. consumo de álcool,
  4. diabetes,
  5. estresse, que envolve a liberação de hormônios como as catecolaminas e os glucorticóides, que inibem fortemente estas enzimas
  6. ingestão elevada de gorduras ,
  7. principalmente, pelo envelhecimento interferem nas enzimas mediadoras desta cadeia produtora dos ácidos n-3 e n-6.

Os recém-nascidos e mesmo bebês prematuros são capazes de produzir o ácido araquidônico (20:4 n-6, AA) e o ADH. Contudo, o leite humano apresenta os níveis mais elevados de AA e ADH nas primeiras semanas após o parto, diminuindo a uma taxa que depende da presença desses ácidos graxos na dieta materna.

Importância dos ácidos graxos de cadeia muito longa (AGPI-CML)

O ADH (22:6 n-3) tem importante função na formação, desenvolvimento e funcionamento do cérebro e da retina, sendo predominante na maioria das membranas celulares desses órgãos.

Na retina, encontra-se ligado aos fosfolipídios que estão associados à rodopsina, uma proteína que interage no processo de absorção da luz. Seu mecanismo de ação possivelmente está relacionado com o aumento na eficiência do processo de transdução da luz e com a regeneração da rodopsina.

A diminuição dos níveis desse ácido graxo nos tecidos da retina tem sido associada, em recém-nascidos, com anormalidades no desenvolvimento do sistema visual, e em adultos, com a diminuição da acuidade visual.

Por ser altamente insaturado, o ADH atua influenciando as propriedades físicas das membranas cerebrais, as características dos seus receptores, as interações celulares e a atividade enzimática.

Com o envelhecimento do indivíduo, há um aumento do estresse oxidativo, que atua reduzindo os níveis do ADH e do AA no cérebro. Esse processo resulta em um aumento na proporção de colesterol no cérebro e ocorre em maior intensidade nas doenças de Alzheimer, Parkinson e na esclerose lateral amiotrófica.

O AA está fortemente relacionado com o desenvolvimento do cérebro e da retina durante o período gestacional e os primeiros anos de vida.

Os ácidos araquidônico, di-homo-gama-linoleico (20:3 n-6, ADGL), e eicosapentaenoico (20:5 n-3, AEP) são precursores dos prostanoides das séries 1, 2 e 3 e dos leucotrienos das séries 4, 5 e 6, respectivamente (Figura 1).

Tanto os prostanoides como os leucotrienos influenciam inúmeras funções celulares que controlam mecanismos fisiológicos e patológicos no organismo.

Entre os prostanoides, a maior afinidade do AA pela ciclo-oxigenase (uma enzima) resulta em uma maior probabilidade de obtenção das prostaglandinas e tromboxanos da série 2.

A essa série pertencem o tromboxano A2 e as prostaglandinas E2 e I2, que participam de inúmeros processos inflamatórios no organismo.

Contudo, os seus correspondentes da série n-3 possuem propriedades anti-inflamatórias.

Em função dessas diferenças fisiológicas tem-se proposto que a produção excessiva de prostanoides da série 2 está relacionada com a ocorrência de desordens imunológicas, doenças cardiovasculares e inflamatórias, sendo recomendado aumentar a ingestão de ácidos graxos n-3 para elevar a produção de prostanoides da série 3.

A razão entre os ácidos graxos n-6 e n-3

Os ácidos graxos das famílias n-6 e n-3 competem pelas enzimas envolvidas nas reações de dessaturação e alongamento da cadeia.

Embora essas enzimas tenham maior afinidade pelos ácidos da família n-3, a conversão do ácido alfa-linolênico em AGPI-CL é fortemente influenciada pelos níveis de ácido linoleico na dieta.

Assim, a razão entre a ingestão diária de alimentos fontes de ácidos graxos n-6 e n-3 assume grande importância na nutrição humana, resultando em várias recomendações que têm sido estabelecidas por autores e órgãos de saúde, em diferentes países.

Estima-se que a razão n-6/n-3 na dieta das pessoas que viveram no período que antecedeu a industrialização, estava em torno de 1:1 a 2:1, devido ao consumo abundante de vegetais e de alimentos de origem marinha, contendo ácidos graxos n-3. Com a industrialização, ocorreu um aumento progressivo dessa razão, devido, principalmente, à produção de óleos refinados oriundos de espécies oleaginosas com alto teor de AL e à diminuição da ingestão de frutas e verduras, resultando em dietas com quantidades inadequadas de ácidos graxos n-3. Nas últimas décadas tem-se determinado, em diversos países, que a ingestão média de ácidos graxos resulta em relações n-6/n-3 que estão entre 10:1 a 20:1, ocorrendo registros de até 50:1.

A necessidade de diminuir a razão n-6/ n-3 nas dietas modernas também tem sido sugerida pelos resultados de alguns estudos clínicos realizados na última década. Entre esses destacam-se:

  1. a diminuição de 70% na taxa de mortalidade em pacientes com doença cardiovascular, quando a razão AL/AAL na dieta foi de 4:1;
  2. a redução nas inflamações decorrentes da artrite reumatoide, quando a razão n-6/n-3 da dieta esteve entre 3 a 4:1, condição que foi alcançada pela suplementação com AEP, ADH e AAL;
  3. a diminuição dos sintomas decorrentes da asma, quando a razão n-6/n-3 da dieta esteve ao redor de 5:1, sendo que em 10:1 os sintomas foram intensificados.

Ocorrência de AGPI em alimentos

Os ácidos linoleico e alfa-linolênico estão presentes tanto em espécies vegetais como animais empregados na alimentação humana.

Nas hortaliças, o ácido alfa-linolênico é encontrado em maior quantidade em espécies:

  1. com folhas de coloração verde-escura como agrião, couve, alface, espinafre e brócolis
  2. alguns cereais e leguminosas, aveia, arroz, feijão, ervilha e soja, sendo a sua concentração muito dependente da espécie e de fatores sazonais
  3. em plantas inferiores, que se desenvolvem principalmente em ambientes aquáticos marinhos.

O ácido alfa-linolênico e os AGPI-CML estão presentes em alimentos de origem animal, como peixes e aves, sendo as suas quantidades muito dependentes da dieta a que esses animais foram submetidos.

Entre os peixes, os de origem marinha, como a sardinha e o salmão, geralmente apresentam quantidades maiores de AEP e ADH que os peixes oriundos de águas continentais. Isso ocorre, devido à expressiva quantidade desses ácidos graxos no fito plâncton, que provê a sua distribuição ao longo da cadeia alimentar marinha.

Síntese das considerações bioquímicas e biológicas

  1. Embora o organismo humano seja capaz de produzir ácidos graxos de cadeia muito longa (AGPI-CML), a partir dos ácidos linoleico (AL) e alfa-linolênico (AAL) a sua síntese é afetada por diversos fatores, que podem tornar a ingestão desses ácidos graxos essencial para a manutenção de uma condição saudável.
  2. A razão n-6/n-3 da dieta tem grande influência sobre a produção de AGPI-CML da família n-3, sendo que razões elevadas resultam na diminuição da produção do ácido eicosapentaenoico (AEP), condição que contribui para o desenvolvimento de doenças alérgicas, inflamatórias e cardiovasculares.
  3. É preciso diminuir a ingestão diária de AL para possibilitar o aumento da produção de AGPI-CML n-3 no organismo, pois o excesso de AGPI-CML n-6 aumenta a formação de prostanoides da série 2, condição, que é desfavorável ao organismo por seu efeito inflamatório.
  4. A suplementação diária com AGPI-CML n-3 – ômega 3 tem demonstrado grandes benefícios em todas as áreas da medicina e agora também na área reprodutiva, como veremos em recente trabalho publicado em revista especializada.

Ômega 3 e sua influência nos tratamentos de reprodução humana

A utilização dos tratamentos de reprodução assistida para o gerenciamento da infertilidade tornou-se cada vez mais comum, com ~ 150 000 ciclos realizados por ano apenas nos Estados Unidos.

A alta prevalência de infertilidade, cerca de 15% dos casais que tentam conceber, tem aumentado a procura das clínicas de infertilidade. O grande envolvimento emocional e econômico dos casais tem estimulado a importância de identificar fatores de risco potencialmente modificáveis, como a dieta, que afetam a fertilidade natural e os resultados de seus tratamentos.

Muitas mulheres que enfrentam infertilidade tomam suplementos dietéticos, como os AGPI-CML n-3 (ômega 3), para melhorar o sucesso dos tratamentos.

Tomar ômega 3 melhora os resultados do tratamento?

Estudos em animais e humanos sugerem que uma dieta rica em ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 também tem um impacto positivo na fertilidade, possivelmente através de efeitos sobre a qualidade do oócito e implantação embrionária, hormônios reprodutivos ou no ciclo menstrual.

Em outro estudo epidemiológico, foi observada maior implantação de embriões, definida como número de sacos gestacionais em ultrassom / número de embriões transferidos, com proporções crescentes de ácido linoleico sérico (LA) / ácido alfa-linolênico.

Em estudo prospectivo de mulheres submetidas a tratamento de infertilidade, as concentrações séricas de cadeia longa de ômega 3, podem ser consideradas biomarcadores da ingestão dietética usual e foram associadas a uma maior probabilidade de gravidez clínica e nascimento vivo.

Especificamente, após o ajuste multivariável, a probabilidade de gravidez clínica e nascimento vivo aumentou 8%, por cada aumento de 1% no soro dos níveis AGPI-CML n-3 – ômega 3. (Y -H Chiu e cols, Human Reproduction, Volume 33, Edição 1, 1 de janeiro de 2018, Páginas 156-165)

Apesar de numerosos estudos que avaliaram a ingestão de ômega 3 na função ovariana ou nos resultados do tratamento da infertilidade, muito poucos estudos avaliaram essas relações usando biomarcadores séricos.

Em consonância com esta descoberta, uma outra avaliação mostrou que os níveis séricos de ácidos graxos de cadeia longa (AGPI-CML n-3) foram significativamente maiores em mulheres grávidas do que em pacientes não grávidas.

Embora o impacto do ômega 3 na fisiologia humana seja complexo, os pesquisadores identificaram vários mecanismos pelos quais a composição e concentração de ômega 3 podem afetar a reprodução feminina.

Podemos enumerar algumas funções do ômega 3 e as prostaglandinas:

  1. Os AGPI-CML n-3 são precursores diretos de prostaglandinas (PGs), compostos que desempenham papéis fundamentais na fisiologia reprodutiva,
  2. os ácidos graxos ômega-3 promovem a geração das PGs de série 3 (como PGE3 e PGF3α), que geralmente são categorizadas como anti-inflamatórias, enquanto ômega 6 são precursores das PG pro-inflamatórias.
  3. os precursores das PGs de série 3 competem pelas enzimas envolvidas na via ômega 6, criando um sistema onde a ingestão dietética de ômega 3 pode inibir as PGs da via ômega 6 e vice-versa,
  4. A composição da PG no ambiente uterino é considerada crítica para implantação bem-sucedida, e a proporção dos AGPI-CML n-3 são importantes para uma relação que produza adequada quantidade de PG de serie 3. Estudo sugerem que o PGE2, um produto da via ômega 6, inibe a invasão de trofoblasto ( placenta ).

Sugeriu-se que os AGPI-CML n-3 (ômega 3) possam exercer um efeito sobre o resultado da gravidez, influenciando a qualidade e a competência dos oócitos.

Um relatório demonstrou que uma dieta rica em ômega 3 resultou em maior fertilidade e qualidade de oócitos em ratos idosos.

Estudos sobre as concentrações de soro ou folicular do ômega 6 geralmente são mais consistentes, sugerindo uma relação inversa dos níveis de ácido linoleico com o rendimento e qualidade do oócito, mas não com os resultados da gravidez.

Finalmente, os AGPI-CML n-3 (ômega 3) também podem afetar a reprodução feminina através da sua influência na esteroidogênese.

Os AGPI-CML são fontes de colesterol, a molécula precursora para todos os hormônios esteroides e podem ter efeitos diretos e indiretos na síntese de esteroides através da regulação de enzimas e PGs.

Os resultados de estudos epidemiológicos, no entanto, são misturados. Há relatos de maiores níveis basais de estradiol em mulheres que consumiram mais ALA – ácido gama linoleico, um tipo específico de ômega 3.

Outro estudo mostrou que o aumento da ingestão dietética de DHA – ácido docosaexaenoico, outro ômega 3, foi associado ao aumento do estradiol.

Em conclusão, níveis mais elevados de soro e ingestão de ômega 3 de cadeia longa foram positivamente relacionados à probabilidade de gravidez clínica e nascimento vivo, entre mulheres submetidas à procedimentos de reprodução humana.

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